Com tanta desumanidade na guerra a que assistimos na Síria
que rouba vidas inocentes, escrever sobre a violação coletiva praticada por
cinco homens, de que foi vítima mais uma jovem, uma fotógrafa indiana, pode
parecer uma desfocagem das prioridades com o sofrimento humano, mas não é,
porque é apenas outra parte de um mesmo sofrimento.
.
De facto, pergunto-me, sempre que este tipo desvio de
atenção ocorre, o que me leva a escrever sobre uma coisa e não outra, quando é
incomensuravelmente maior a barbárie de um acontecimento sobre o outro, porque
entre tirar uma vida ou a dignidade dela, há uma fronteira que cada um ou cada
cultura colocará no lugar que lhe atribui?
.
Traduzir por palavras o sofrimento humano de uma guerra, que
inclui para além de todo o tipo de violações também o estupro, é uma tarefa
hercúlea que, em mim, pelo menos, funciona como bloqueio à tradução por
palavras, não sei até se como uma defesa no sentido de não soçobrar à correspondência
a que o sofrimento teria direito. Talvez por isso não escreva sobre o que é
ficar sem a vida numa guerra e o sofrimento dos que ficam e choram, e escreva
antes hoje sobre o que é ficar sem a dignidade dela.
.
Quem fica sem a vida numa guerra, deixa de poder
confrontar-se com o outro. Apenas este pode vir a ter confrontações na provável
imanência do fantasma. Quem fica sem a dignidade na barbárie de uma violação
corre o risco de a todo o momento ser provocada ou humilhada pela vida que o
agressor ainda ostenta, pela falência da justiça dos homens.
.
Se isto quer dizer que sou pela pena de morte, é apenas na
força com que quero que as palavras ajudem a combater este flagelo que andam os
homens indianos a provocar nas suas pobres mulheres, mas também outros que por
esse mundo fora demonstram que nem todos evoluímos do reino animal da mesma
forma. Pouca vida merece quem a rouba através do roubo da dignidade de quem
viola, para dela sugar um fugaz momento de prazer.
.
.
Chama-se Johanna Beisteiner esta senhora, e toca a Serenade
de Schubert.
Sem comentários:
Enviar um comentário