Hoje deixo cahir symbolicamente os dois últimos accordos ortographicos, o de 1911 e 1990, no valle da cholera em que os metteram - uma attitude que se circumscreve quanto a mim, mais na área dos affectos com a língua, do que num olhar simultâneo
para a evolução do passado e do futuro d’ella -, e volto por momentos ao
universo das nossas queridas consoantes, algures alli pelo inicio do século em
que cahiu a Monarqhia e se implantou a República, e Pessoa já ia em metade da
vida que teve. Ámanhã, porém, vae deixar de sêl-o, liberto do atavio d’ellas, as que agora atrapalham a leittura e as phrases comprehender-se-hão egualmente bem. Talvez Fernando Pessoa não
reclame hoje do tumulo como reclamou antes em vida, a língua portugueza sobreviverá,
e o scisma que também hoje parece crear-se com as alterações que se attribuem à nova ortographia que foram as mesmas estranhamente reclamadas um século depois pelos descendentes linguísticos d’elle, repete-se.
As circumstancias da assignatura de um anterior accordo ortográphico,
que deveria sêl-o mas não foi, e nos isolou do Brazil todo este tempo, vão
repetir-se n’outra épocha e a hyphotese de
discórdia voltará como um echo dos desaccordos passados, philtrados comtudo
pelos sentimentos de posse de cada um pela sua língua.
Peço desculpa pela cacophonia consonantal, mas voltar
atraz é a melhor forma de comprehender que ahi, outros tiveram egualmente os problemas
que hoje temos, e que a herva daninha d’ella é, não as revisões ditas
commerciaes mas a clausura que leva às línguas mortas. Viva portanto a vida das
vivas e paz à vida das mortas.
Este texto não é contra ninguém, muito menos contra familiares
e amigos, é apenas a minha forma de responder – e já agora, o meu direito também
- a tanto desafio que me fazem numa questão transversal que nos divide, mas apenas
nisso, na escrita. Temos tanta coisa importante em lutas communs, porque não gastamos
as nossas energias investindo n’ellas?
Graza
Fontes ortographicas: “O Castello dos Carpathos” 3ª Edição,
de Júlio Verne. Tradução de Pinheiro Chagas. Ed. Aillaud & Bertrand s/data
de edição mas algures no inicio do século passado.
Nota: Li Hoje, em Fevereiro de 2017, um dos melhores textos sobre o Acordo Ortográfico. Aqui fica o link:
http://www.jn.pt/opiniao/convidados/interior/acordo-ortografico-hino-a-democracia-5675999.html
2 comentários:
A opinião a que também tenho direito, com a minha saudação e respeito especial àqueles/as que se têm contido e mantido numa postura que preserva primeiro os nossos bons entendimentos para além das diferenças de opinião de cada um. Este texto não é para eles/as.
Gostei muitíssimo do texto e concordo no que diz sobre a evolução da língua se dar pelo motivo único e exclusivo de ser uma língua viva e muito viva! Pena a evolução acontecer, em sua maioria, tendo a oralidade como base... Parabéns pelo texto e pela pesquisa!
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