É um texto fantástico de Luís Rainha, publicado no Jornal I
Informação, d’hoje. Vá lá, inscreva-se como eu fiz, e dê os parabéns porque
este jornalista tem mais sangue de forcado do que pião de brega que atira o
capote e foge.
Salazar ficcionou a cómoda brandura dos nossos costumes.
Franco, camarada ibérico de barbárie, resumiu-nos como uma nação de cobardes.
Governo após governo apostaram no comodismo que nos levaria a preferir o
resmungo clandestino às dores e ao sangue do confronto; ideia arriscada, face a
um povo que tem por tradição enfrentar touros de mãos nuas.
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No dia 14, a aposta começou a esgarçar-se sob uma chuva de
fogo, pedras e fúria. A resposta policial foi vista pelo bom senso do costume
como inevitável, exemplar até. Sempre ordeiras, as almas consensuais
tranquilizaram-nos: trata-se apenas de “uma dúzia” de de-sordeiros; malta
sombria, estranha, talvez estrangeira, anarquistas, quiçá criminosos comuns, de
cadastro e tudo. Haja obediência, respeitinho. O monopólio estatal da violência
é coisa a venerar, pilar da ponte que vai de quem manda a quem obedece. E
quando os violentos começarem a ser dezenas, milhares? E se andar por aí um
rastilho subterrâneo a arder, rumo ao coração de multidões, atiçado por cada
novo sopro de insensibilidade, de “ai aguentas”, de desvergonha autoritária?
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