10 fevereiro 2007

À Tomásia, pelo Sim.

Tomásia, era uma rapariga que tentava longe da familia e da aldeia na Beira Alta a saída para uma vida que não queria partilhar com cabras e ruralidades e cujo esforço não tinha o retorno que ambicionava para a sua vida: queria mais do que aquelas serras lhe poderiam dar. Trabalhava para pagar o aluguer de um pequeno quarto em Alfama e tentava com a ajuda esforçada dos pais, concluir o Liceu em Lisboa. Sentava-se todos os dias numa secretária ao meu lado com a concentração de quem não queria dar por inglório o esforço que o isolamento familiar lhe provocava. Era uma rapariga simples, de feições suaves e formas hirtas. Apesar disso, ninguém lhe conhecia companhia que tivesse a boa fortuna do usufruto.

Era o que nós pensávamos.

Um dia, a Tomásia quebrou a rigorosa assiduidade e não apareceu. A notícia chegou depressa: Tomásia estava na morgue do hospital. Não resistiu aos maus tratos na marquesa de uma abortadeira. Escondeu-nos durante mais de três meses, apertada entre cintas, uma gestação que não queria. Devem ter sido três longuíssimos meses entre as quatro paredes do seu pequeno quarto, só e sem apoios. E não queria, porque tudo apontava para o ruir do sonho que estava a construir. Nele não se incluía o desistir dos estudos, ser mãe solteira aos 22 anos sem dinheiro, sem apoios, sem família perto ou o regresso às serras e às cabras e o arrumar para sempre de um projecto em que provavelmente, até na construção esteve sozinha.

Recordo-me do efeito alisado do cabelo pela laca que lhe puseram e que sempre me pareceu suor seco, o único resultado visível do seu esforço talvez para aliviar o sofrimento.


Em nome da Tomásia não posso deixar de considerar o discurso do Não, hipócrita, porque nenhuma das tias passa para o lado da barreira dos pobres, fazem-no de cátedra mas sempre comodamente do outro lado e exercítam daí os percursos religiosos da sua salvação acudindo às "almas perdidas", normalmente a dos pobres...

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