16 agosto 2010

O Fogo e o Queijo

Acabo de ver as imagens dos bonitos recantos da Serra do Gerês e do Soajo, o Mezio, Bustelinhos, Soajo, tudo ardido. Aquilo que a vegetação não deixava ver, escondendo as belezas da serra como que para descobrirmos aos poucos, está a agora a céu aberto em diversos tons de cinza. As escarpas há tanto tempo preservadas pelo enraizamento das espécies autóctones estão agora prontas para o que der e vier nos próximos Invernos.

A imagem muda, e mostra-nos agora os cinzentos das pedras do Pico do Areeiro, na Madeira, como se aquilo fosse uma extensão dos fogos do Soajo e da Serra da Estrela. Um senhor aparece e vem dizer-nos que afinal os prejuízos das últimas enxurradas nada têm a ver com o destes fogos: que a calamidade era antes aquilo, pelo arrasamento que fez de décadas de preservação de espécies quase extintas, e que a solidariedade do Continente ia ser novamente necessária etc., etc., etc. O Norte e a Madeira estão agora feios. Portugal está mais pobre.

Cá como lá, fala-se de actividade criminosa, uns por tara e desequilíbrio, outros por interesse económico, outros porque os pastos são melhores depois de ardidos, mas sempre a mesma dificuldade da nossa Justiça na punição destes crimes.

O Verão de 1975, que a política veio a chamar de Verão Quente de 75, não o foi apenas por motivos políticos, aquele Verão foi mesmo o inicio da saga do fogo que até ali desconhecíamos daquela forma, qualquer estatística mostra isso: tudo começou naquele ano. Nessa altura fiz férias na zona de Arganil – Coja – Avô, e os naturais diziam-nos a medo e em surdina que sabiam quem eram os incendiários, eram gente que se passeava no Largo da Vila, no café Central e todos conheciam mas tinham medo de apontar o dedo. Eram gente perigosa ou com gente importante por trás. Para nós, eram o fruto do caciquismo local, ressabiados políticos que ainda hoje não deixa de ter a sua influência no meio rural. Não sei se nestes anos a receita é a mesma, mas sei que a partir de 1975, muitas indústrias sobrevivem à conta do fogo: a indústria da madeira e das máquinas para a indústria da madeira, a indústria imobiliária, a indústria do fogo que agora envolve meios colossais, a indústria do queijo, enfim, todo o emprego ligado a estas indústrias, são muitos interesses novos que não existiam e muitos loucos que persistimos em deixar andar à solta. O que podemos fazer nós para inverter isto?

Não sei, à falta de resposta imediata, vou deixar de comer queijo: quanto mais stock de serra curado houver, menos pasto é preciso.
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