24 setembro 2011

Reagir ao Medo.

(Acabo de ver no Parlamento, Couto dos Santos, com uma tal vergonhosa cara de Touriga Nacional, tão alarvemente tinta, que não consigo esquecer os reflexos violáceos daquele riso provocatório e aparentemente avinhado, enquanto escrevo sobre a revolta de hoje, que não tem a ver com ele mas influencia sem que o queira).
 
Mais terrível do que o aumento do custo de vida que todos os dias nos é anunciado, é uma outra coisa bem mais grave que agora começa a aflorar e essa sim, vai gerar um terramoto social de consequências imprevisíveis.

É preciso dizer antes que somos um povo com capacidades de sofrimento que não nos enobrecem. Isto não é fácil de ler nem de escrever, mas é uma verdade histórica que nos persegue. Salazar sabia-o. Por muitas padeiras que a nossa ficção reinvente, a verdade é que aturámos aqui espanhóis durante décadas e os ingleses que nos salvaram dos franceses, submeteram-nos por um período tão vexatório que ainda hoje a nossa história o omite. É nos brandos costumes que temos que procurar essa dificuldade em reagir colectivamente, a mesma que inquina o nosso desenvolvimento.
 
A nova cruzada é agora o aproveitamento da crise para um processo maquiavélico de trituração das pessoas como antes não víamos e se colectivamente não nos opusermos, isso vai ser feito à escala de um grande descalabro. Os novos Liberais, estão a fazê-lo aproveitando o nosso medo, o medo que se instalou, o medo de perder o emprego, a pensão, a casa, a saúde, a educação dos filhos, resumindo, a vida segura como a conhecíamos. O paradoxo é que estes obreiros são curiosamente os representantes dos coveiros que aqui nos trouxeram, ou seja, geraram no seio deste sistema esta crise e dela se servem agora, para fazer o que nunca antes se atreveram, nem nós sonhávamos. Têm-nos reféns pelo medo porque sabem que é esse medo que nos impede de lhes entrar casa dentro por se recusarem a contribuir como nós para este esforço nacional. Ameaçam-nos: "Eles não podem ser incomodados, se não fogem!"

Quando, como hoje, está a ser anunciada a possibilidade de um patrão poder despedir se estiver de mau humor, mentindo com um contrato por objectivos, dando a empregadores sem escrúpulos o poder de criar sobre milhões de trabalhadores e as suas famílias uma instabilidade laboral, cujas consequências desconhecemos, diz bem do drama em que estamos metidos. A seguir, virá a nova lei dos despejos na habitação e por aí fora. Tudo em nome do sacro santo capital, e da subserviência aos mercados sem rosto que a política já não controla.

Quando se experimentam medidas cortando nas contribuições patronais para a Segurança Social, que é parte do fundo das nossas pensões - o suporte psicológico de quem vai deixar de trabalhar - potenciando assim o lucro das empresas julgando que elas vão a correr criar postos de trabalho, das duas uma, ou é intenção deliberada para arruinar o Estado Social que conquistamos, ou é ingenuidade pura. Qualquer uma das opções diz bem do drama em que estamos metidos.

A única coisa que temos que temer é o medo, e eles estão mais uma vez a jogar no nosso medo, mas isso, depende de aceitarmos as condições de humilhação que o neoliberalismo desregulador nos impõe, e que novos movimentos em formação começam a enfrentar. Acredito que essa história de resistência e contestação se fará também por cima dos caducos sectarismos vigentes, mas bem instalados, que nos espartilham entre as bíblias lambidas, embora saibamos que virão depois para a foto final.

(A mim, retirem-me o bom vinho de tostão que bebo com gosto, se algum dia me apresentar naquelas cores)


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