24 janeiro 2005

A LEI DO ARRENDAMENTO EM 100 DIAS ?

Qual é a urgência do Partido Socialista em rever a Lei do Arrendamento Urbano em 100 dias ?

Lendo, na imprensa deste domingo, o resumo alargado do programa eleitoral do Partido Socialista (PS) para as próximas eleições legislativas, sobressai que, de todo o conjunto das medidas propostas, abrangendo os mais diferentes domínios, apenas a revisão da Lei do Arrendamento Urbano é acompanhada da respectiva calendarização. O PS compromete-se a apresentá-la e aprová-la num prazo de apenas 100 dias.


Isto dá que pensar, se nos recordarmos que também Durão Barroso e, depois, Santana Lopes também se apressaram a fazer da revisão da Lei do Arrendamento Urbano uma bandeira e um desígnio, desígnio que foi frustado com a dissolução da Assembleia da República..

Agora, é o PS que, de entre tantos problemas existentes ao nível da governação, vem dar prioridade a uma iniciativa legislativa, que de maneira alguma se apresenta como urgente. Talvez, porque já tendo cozinhado os ingredientes que sabe serem lesivos para os inquilinos, pretenda beneficiar do estado de graça dos primeiros 100 dias de governação e assim amortecer os efeitos de qualquer protesto por parte dos arrendatários habitacionais e comerciais.

É preocupante esta postura do PS, sabendo-se que já no tempo de Guterres recuperou muitas ideias da direita e as fez passar facilmente na Assembleia da República, beneficiando da benevolência dos cidadãos de esquerda para com um partido da sua área ideológica ou de uma área próxima. A experiência demonstra que o PS consegue impor ao País as leis danosas, mas que é depois a direita que melhor as sabe gerir.

Será que o principais obstáculos da economia, da administração do Estado, da competitividade, do desemprego, do défice orçamental e comercial, da educação e da saúde residem no actual regime de arrendamento urbano? O PS não deveria preocupar-se nos primeiros 100 dias com a resolução destes e de outros problemas, bem mais graves para a população portuguesa? A prevenção dos incêndios para o próximo Verão, por exemplo; planear a próxima colocação de professores, que não mereceu nenhuma alusão na versão resumida do programa eleitoral.

No final do ano transacto, quando o PSD avançou com a autorização legislativa da sua proposta da Lei do Arrendamento Urbano e respectivo regime de transição para os contratos anteriores a 1990, muitos inquilinos ficaram sossegados com a ponderada atitude da ex-secretária de Estado da Habitação do PS, Leonor Coutinho, que referiu a existência de uma proposta do seu partido que admitia o cálculo do aumento das rendas antigas através duma indexação ao valor de base do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e não permitindo em caso algum o poder discricionário dos senhorios em relação à renúncia dos contratos.


A razoabilidade da proposta, desde que não seja adulterada por artifícios que a desvirtuem, poderá obter consenso. Mas, é importante termos presente que o teor desta proposta apenas foi ventilado por aquela antiga governante que, de momento, não exerce nenhum cargo importante no PS nem sequer figura entre os candidatos à Assembleia da República, e, aos principais dirigentes deste partido, nunca se ouviu uma palavra sobre este tema que permitisse dar visibilidade pública à sua proposta, que continua a ser uma incógnita muito suspeita.


A reunião dos inquilinos com os representantes partidários, no próximo dia 2 de Fevereiro, na Faculdade de Letras de Lisboa, é de extrema importância. Aí, os inquilinos devem exigir de todos os partidos, principalmente do PS, por ser o provável vencedor das eleições legislativas, a pormenorização das suas propostas de uma nova lei de arrendamento. Ao PS, em particular, deverá ser perguntado por que razão não incluiu nos primeiros 100 dias de governo a apresentação de uma lei que penalize em sede fiscal os milhares de prédios que se encontram devolutos e em condições de entrar no mercado de arrendamento ao abrigo da actual lei de 1990, lei esta que já não apresenta qualquer constrangimento em relação ao livre estabelecimento do valor das rendas por parte dos senhorios. É caso para perguntar ao PS por que não começa por aqui para animar o mercado de habitação.


Todos sabemos que os promotores e construtores imobiliários são os principais financiadores do PSD e do PS e os agentes activos da corrupção que corrói o País. Os casos que se encontram em tribunal, envolvendo responsáveis daqueles dois partidos, apenas são a ponta do iceberg.
Será que o PS está a prometer celeridade de uma nova Lei de Arrendamento Urbano por pressão daquele lobby ?


Será que o dinheiro dos promotores e construtores imobiliários, para pagar as despesas da campanha eleitoral, só entrará nos sacos azuis do PS se rapidamente a lei do arrendamento for alterada?


Estas são apenas algumas perguntas que não pretendem ofender os militantes de base do Partido Socialista, partido a quem Portugal muito deve no campo das liberdades e do desenvolvimento económico. Mas, os inquilinos, principalmente os do PS, não devem confiar cegamente em ninguém. Devem unir-se, esclarecer-se e lutar para defender os seus legítimos interesses. Acima de tudo, não se devem esquecer que os promotores e construtores imobiliários, vendo os seus negócios em crise com a descida da venda de imóveis, devido à extinção do crédito à compra de habitação, viram-se agora para a actividade especulativa no emergente mercado da reabilitação urbana, necessitando para isso de se verem livres dos constrangimentos impostos pelos contratos de arrendamento anteriores a 1990.

Estes contratos de arrendamento vão-se lentamente extinguindo, uma vez que a grande maioria dos respectivos arrendatários já se encontra no fim do ciclo da sua vida activa e, por isso mesmo, não têm condições para optar por outra alternativa para adquirirem uma habitação. Esta extinção consumar-se-à no período de dez a vinte anos, o que dará muito brevemente ao número desses contratos um carácter meramente residual e que não terá qualquer influência no mercado de habitação que se pretende animar.


O que faz mover então o PS de Sócrates?

Alexandre Lopes de Castro
Jornalista


texto de: Alexandre de Castro

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