Programa eleitoral do Partido Socialista tem alçapões em relação à lei das rendas.
O Partido Socialista (PS) está apostado em proceder à revisão da Lei do Arrendamento, como se pode constatar, lendo o seu programa eleitoral. No capítulo intitulado "Três eixos para uma política de habitação", na página 100, ressalta a preocupação de "apresentar na Assembleia da República essa iniciativa legislativa nos primeiros 100 dias do seu mandato", mas não revela idêntica preocupação em calendarizar "a adopção de medidas complementares à revisão do quadro legal", como se lê na página 101. E entre essas medidas, o programa eleitoral aponta para a "utilização de parcerias público-privado na reabilitação de imóveis para arrendamento" , o estabelecimento de "programas de apoio financeiro e logístico à realização de obras de recuperação de edifícios" e a "criação de Centros de Arbitragem para a resolução de conflitos relacionados com contratos de arrendamento, no sentido de salvaguardar as relações contratuais".
Não se percebe esta dualidade de critérios, adoptada no programa eleitoral do PS, ao não fazer coincidir temporalmente a promoção e execução de todas as medidas propostas. No limite, pode até acontecer, conhecendo-se a maneira ronceira como funciona a Assembleia de República, que a Lei do Arrendamento entre em vigor, desencadeando imediatamente conflitos entre as partes, e que ainda não exista o tal Centro de Arbitragem.
Mas, não é só o desfasamento assinalado que deixa antever alguns perigos para os inquilinos, cujos contratos de arrendamento são anteriores a 1990. Entre esses perigos, ressalta a intenção de proceder a "uma actualização gradual das rendas sujeitas a congelamento de imóveis que se encontrem em bom estado de conservação, minimizando os riscos de rupturas sociais ou económicas, incluindo no que se refere ao arrendamento comercial".
A frase transcrita é demasiado genérica, sem qualquer objectivação e quantificação. Não define nenhum parâmetro que sirva de padrão para a actualização do valor das rendas, como também não define o horizonte das rupturas. Também é omisso em relação ao tratamento daquelas situações em que os inquilinos fizeram obras de melhoramento e de conservação, valorizando os prédios e as habitações.
Subsiste a dúvida, porque também aqui é omisso, de como actuar naquelas situações em que os contratos de arrendamento foram celebrados livremente pelo senhorio e pelo inquilino, já com o congelamento do aumento do valor das rendas em vigor. Porque neste caso levanta-se um problema jurídico muito grave, que resulta do Estado interferir na vontade expressa entre dois contratantes que, no momento da celebração do contrato, aceitaram de livre vontade e sem qualquer constrangimento o quadro legal existente na altura.
Mais à frente, o programa eleitoral estabelece: "O regime jurídico a adoptar consagrará, ainda, um melhor e justo equilíbrio na salvaguarda dos direitos dos inquilinos no quadro das acções de despejo".
No quadro legal actual, as acções de despejo e as situações que as podem judicialmente determinar já se encontram perfeitamente definidas e com os direitos das partes devidamente assegurados, apenas se exigindo uma maior celeridade processual. A inclusão daquela frase não faz, por isso, qualquer sentido, a não ser que se encontre subjacente, e não expressa, a intenção de alargar as situações que podem determinar o despejo dos inquilinos. Isto seria grave e inadmissível num partido de esquerda.
Por fim, aparece a frase assassina. Diz o programa: "sendo fundamental agilizar os contratos, será ampliada a liberdade das partes na respectiva negociação". Se o teor desta afirmação também se aplica aos contratos anteriores a 1990, então a contradição é flagrante, pois anteriormente já se afirmara que a actualização das rendas seria gradual. Ora, para ser gradual tem de ser determinado administrativamente, e se é deliberado administrativamente não pode haver a tal ampliação das liberdades na negociação, a que o programa eleitoral se refere.
No início do capítulo que temos vindo a citar, o PS compromete-se a dinamizar o mercado de habitação, não percebendo, ou fingindo não perceber que, à nossa escala económica e demográfica, não há condições para se formar livremente esse mercado. E isto, por várias razões. Em primeiro lugar, nenhum investidor está interessado em investir no mercado de habitação, tendo hoje ao seu dispor uma ampla carteira de produtos financeiros que lhe asseguram uma melhor e mais rápida remuneração. Em segundo lugar, o mercado está inflacionado, e os jovens só optariam em alugar uma casa se o valor da renda fosse inferior ao valor de uma prestação mensal de um empréstimo bancário para aquisição de habitação própria. Se, por hipótese, o valor da renda começasse a ser inferior ao valor da prestação do empréstimo bancário, em virtude de um aumento substancial da oferta de casas para arrendamento, a rendibilidade do investimento inicial do proprietário diminuía e esse mercado deixava de ser apelativo para novos investidores, provocando um novo aumento dos valores das rendas existentes naquele momento e das vindouras.
Já o Salazar percebera este mecanismo, e, para não descontentar ainda mais a classe média, decidiu congelar as rendas de Lisboa e Porto, medida esta muito injusta para os senhorios. Nessa altura, década de sessenta, o êxodo do interior para as duas grandes cidades fez disparar a procura de habitação, e não havia capacidade de investimento do Estado nem dos particulares para inverter a situação.
Nos países europeus este problema não se colocou nem se coloca com acuidade. Em primeiro lugar, porque são países desenvolvidos economicamente. Em segundo lugar, a reconstrução urbana no pós-guerra, apoiada generosamente pelo Pano Marshall, permitiu construir um mercado de habitação a preços razoáveis para os arrendatários, mercado esse que satisfazia (e satisfaz) as populações e as não motiva a recorrer ao mercado de compra de habitação própria. Recorde-se que estamos a falar de Países, onde os governos acautelaram os interesses dos cidadãos, legislando contra a especulação dos solos, subsidiando os proprietários que construíssem habitações para locação.
Em conclusão, pode-se afirmar que, em relação à revisão da Lei do Arrendamento, o PS não apresentou no seu programa eleitoral uma ideia clara e transparente, recorrendo a subtilezas num discurso eleitoralista que dará cobertura a qualquer solução futura que venha a ser adoptada.
Alexandre Lopes de Castro
Jornalista
texto de: Alexandre de Castro
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