O texto/reflexão que se segue foi escrito em 2003/2004, para partilha com um grupo restrito de amigos. Atendendo à sua actualidade e apelo mobilizador, resolvi colocá-lo aqui dado que é um convite permanentemente renovado e nunca são demais convocatórias como estas.
Diz Eduardo Lourenço: "Portugal espera sempre que as soluções caiam do céu".
Talvez vos pareça um absurdo dedicar tanto tempo e espaço a questões desta natureza e admito, apesar da confiança, que possam vir a considerar que estas são investidas quixotescas contra moinhos de vento. Mas como sabem o mundo só pula e avança quando o homem sonha, como dizia Gedeão, naquela bela canção, não é? E além de mais também já não sou novidade para vocês, nunca fui um conformado. Sempre me rebelei contra a instalação dos amorfismos e paralisias que nos vão sugando as forças dos nossos desenvolvimentos. Mais uma vez me repito: que falta nos faz o Almada. É que os Dantas proliferam e este país vai azedando, sem que haja alguém que o acorde. Isto é provavelmente alguma grande vontade de comunicar. Mas o que quer que seja, aí vai.
I
A avaliar pelo início, entramos provavelmente em 2004 com uma depressão maior do que a que saímos de 2003. (E digo agora em 2005, maior do que a que saímos em 2004)
Há falta de auto-motivações que nos empurrem, e sem Sebastianismos, faltam-nos também bons mestres ou bons psicólogos que nos consigam fazer capazes de empreender melhor, ou nos ajudem a conseguir triturar todos os problemas que se vêm avolumando ao longo de décadas.
O que nos impede de ter como Nação um melhor aproveitamento, tem origem em diversas raízes, algumas das quais me permito debater e abordar com vocês mais adiante, e a maior parte das quais não nos é possível de imediato tratar, quer porque são problemas para resolver a montante da estrutura da educação de um povo, quer porque não bastam as melhores boas vontades deste tipo para as resolver. Mas desistir é que não, só porque a tarefa é grande.
Para além do conceito abstracto de Nação, a que todos nós respondemos com maior ou menor fervor patriótico, existe a sua afirmação concreta, isto é, o seu próprio corpo que somos “nós mesmos”.
É partindo deste concreto, de sermos nós mesmos a afirmação de Nação que nos torna responsáveis na razão de 1/10.000.000, como dizem mais ou menos os censos à população. É um número grande? Sem dúvida, e também é verdade que as responsabilidades ditas desta forma podem tornar-se desmotivadoras, ou seja: é fácil pensar que se nos subtrairmos àquele número, ninguém vai notar e não vamos fazer lá falta nenhuma.
Começa assim já a emergir, à volta do raciocínio de uma simples disponibilidade para a Nação, e da alteração daquela fracção para 1/9.999.999, uma das razões que nos leva a não conseguir empreender ou resolver os problemas que se têm avolumado ao longo de décadas, porque achamos sempre que individualmente não fazemos o todo e nos encontramos sempre a remar contra a maré.
Um dos objectivo é demonstrar que aquela fracção não é assim tão grande, dado que pegando num conceito matemático a podemos transformar numa razão bem mais à nossa escala de responsabilidade pessoal. Se nos pusermos nós de acordo neste debate, fazendo que cada um se proponha ter presente os princípios que nos levaram ao diálogo, teremos transformado substancialmente aquela fracção, bastando para isso que façamos cada um de nós, com que o diálogo, ou a transferência de ideias, circulem por mais amigos como nós. Digo como nós, para que haja confiança na transferência da mensagem e ela não seja abandonada.
É a receita antiga de multiplicações sucessivas. Bastará uma dezena de etapas de multiplicações para atingirmos uma enorme fracção.
O outro objectivo, e o principal, é abanar, desassossegar, alertar, motivar cada uma das nossas consciências para o facto de não podermos esperar mais uma ou duas gerações para corrigirmos tudo quanto foram erros passados, alguns deles bem antigos, outros nem tanto, mas que estão na base de tudo quanto nós reconhecemos serem os problemas gravíssimos da nossa vida enquanto povo desta nação que estando cada vez mais desorientada, sem que isto tenha necessariamente só a ver com razões políticas, não consegue fixar-se no objectivo da tal luta pela supremacias das nações, pelo menos as do nosso escalão.
II
Por cada vez que vejo na televisão, por cada vez que ouço na música, por cada vez que leio num livro ou tomo conhecimento de mais um caso de sucesso português, dá-me a enorme vontade de dizer que se não temos mais, é também porque não valorizamos mais o que temos. E é também assim que surge esta vontade de pedir que façamos todos uma enorme pedagogia de mão em mão, por forma a podermos produzir um enorme salto evolucionista se possível, de maneira a suprir aquelas enormes lacunas que vêm de trás e não vemos formas de poder corrigir.
Façamos também dos nossos casos de sucesso o mesmo que fazem todos os outros, alguns de bandeiras chauvinistas serôdias bem em punho, mas que mais não fazem do que manter altos os níveis de auto estima de um povo.
Até aqui, o que temos sabido fazer, é correr com gente boa só porque alguma pretensa sujidade se lhes pegou. São tantos os exemplos que é mau dizer, para não excluir, mas ainda assim não posso deixar de referir três nomes: Saramago, prémio Nobel. Foi corrido por um farçola de um tal Sousa Lara que desde aí, o que tem feito é andar com a justiça à perna. Clara Pinto Correia, bióloga de mérito. Só quem não a leu pode pensar que a sua vida literária foi um plágio. As invejas e a falta de cultura encarregaram-se dela. Noutro sector, porque não Joe Berardo? Um exemplo de tenacidade que muitos desconhecem. Mais dia menos dia cai a sua Quinta da Bacalhôa, por guerras de alecrim e manjerona, voa o seu enorme espólio em pintura e escultura para o estrangeiro por outros compadrios nacionais. São exemplos sem uma reflexão especial, mas se quisermos fazer uma lista, ela é imensa.
III
Uma das minhas recentes leituras teve a ver com o estado da Educação em Portugal. Chegou-me a propósito um trabalho sobre o assunto e ali era tratado uma parte deste problema nacional, de tal forma que aproveitei e sobre ele desenvolvi um raciocínio de resposta para o Estado da Nação que corria naquela altura na net.
Achei que algumas das razões que ali eram apontadas tinham uma enorme acuidade e eram quanto a mim uma parte do nosso problema nacional. Resolvi transcrever e comentar aquelas asserções, e agora quero por à vossa apreciação e reflexão, para assim podermos cumprir um pouco na nossa responsabilidade, enquanto elos daquela enorme cadeia que são os tais 10 000 000.
O texto enviado era este que a seguir transcrevo e aqui vai com poucas correcções. Estes, são um dos males que subscrevo que nos afectam, e embora tenham raízes ancestrais devemos sempre tentar combatê-los, e o mais depressa possível, assim queiramos todos fazer esforços como este que estamos a fazer que nos envolva no dia a dia e a cada hora. Só praticando a mudança, só exigindo rigor em cada momento, só com o tal empenhamento colectivo, podemos aspirar a alterações mais rápidas do que aquelas que se configuram no nosso horizonte, não é com o nosso tradicional encolher de ombros, a que alguém chamou de “brandos costumes”, com o nosso delegar constante de responsabilidades como se vivêssemos uma eterna meninice, que conseguiremos atingir aquilo que a todo o momento reclamamos, quando nos comparamos com os modelos de excelências que vão por essa Europa:
Eram estas as questões colocadas e foram estas as respostas que enviei:
I - Quais são para si os principais questões da sociedade portuguesa de hoje?
Da responsabilidade do Estado, o Ensino.
Da responsabilidade do cidadão, uma cultura de laxismo.
Da responsabilidade do Estado, o Ensino.
Da responsabilidade do cidadão, uma cultura de laxismo.
- Reflexão
- Compreensão do mundo
- Sentido Estratégico
- Intencionalidade e Visão
- Organização e Ordenamento
- Empenhamento Colectivo"
II - Qual é a sua opinião sobre o essas questões?
Na verdade tudo passa pela falta de desenvolvimento das nossas capacidades intelectuais, comparativamente aos outros, se falarmos da competição com povos do mesmo espaço social e económico. Poder-se-ia arrolar uma séria de “questões” sobre o actual estado da Nação, mas sintetizando, diríamos que na base do nosso grave problema podemos colocar aquelas duas responsabilidades: enquanto Estado Nação, não pudemos, não quisemos e não sabemos Ensinar e Educar o nosso povo. Voltando ao Prof. Santana Castilho, para entendermos melhor o que se passa com o nosso atraso crónico, diz o seguinte:
“... O Iluminismo marca na Europa ... a primeira preocupação de tornar o povo letrado. E aí começou Portugal a perder a oportunidade de acompanhar um movimento...
... em 1910, três quartos dos portugueses eram analfabetos...
... De 1925 a 1940 a estagnação foi desoladora...
... Um aumento significativo da despesa pública com a educação só se viria a verificar com Veiga Simão nos anos 70...
... O 25 de Abril alterou profundamente o status. O ensino abriu-se, a gestão tornou-se participada mas ineficaz e... a degradação continuou...
... A tónica dominante de toda a produção de ideias para o futuro passa pela necessidade de aumentar a cultura e o conhecimento das pessoas. É aí que se vai jogar o escalonamento das nações e decidir a luta pelas supremacias.”
Isto é, digo eu: um povo mal formado cultural e intelectualmente, vai acentuar o tal defeito ancestral de uma cultura de laxismo.
III - Enquanto cidadão o que pensa que pode ou deve ser feito para as resolver?
No cidadão, esta cultura de laxismo, só deverá começar a ser esbatida quando deixarem de fazer parte da actual comunidade, todos os que foram ou vierem a ser produto dos erros cometidos antes, não sendo assim tão poucos, dado que ainda somos muitos os contemporâneos da década de 40 e de Salazar, e das bonitas euforias de Abril ainda são mais, o que não simplifica a questão.
É este laxismo que nos torna pouco rigorosos connosco e com os outros, originando que o que é mau não seja penalizado e reapareça depois como uma situação "normal". Temos uma espécie de vergonha de ser pessoal e colectivamente rigorosos. Desenvolvendo o que diz Santana Castilho, falta-nos assim uma certa capacidade de:
Reflexão - para contrapor ao nosso imediatismo.
Compreensão do mundo - para descodificarmos atempadamente as mensagens que dele nos chega.
Sentido estratégico - porque pouco fazemos com um objectivo antecipado.
Intencionalidade e Visão - para podermos corrigir os desvios.
Organização e Ordenamento - para que as leis funcionem e sejamos cada vez menos baratas tontas desperdiçando e repetindo esforços nos mesmos objectivos.
Empenhamento colectivo - para que aquela espécie de vergonha deixe de funcionar e que cada um sinta que o pouco que está a fazer ou a exigir é parte de um elo importante da nossa estratégia como Nação e Povo.
Devemos por isso exigir que o Estado cumpra a sua função de providenciar os meios para rapidamente começar a Ensinar e Educar como lhe compete, controlando um neoliberalismo cego ou centralismo desmotivador das muitas vontades que remam contra a maré.
01 de Maio de 2003 (Revisto em 12 de Fevereiro de 2005)
1 comentário:
Venho agradecer a sua visita, que penso não ser a primeira, e agradecer-lhe também pelo gosto que tive em ler este texto. Brilhante!
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