16 novembro 2005

Povo Matéria Prima!

Olá amigo Zé! Recebi o teu email " Povo Matéria Prima" que já anda aí em circulação com o artigo que é atribuído ao famoso jornalista X do Jornal Y mas como não sabemos se esta atribuição corresponde à verdade é melhor deixarmos ficar isto no X e no Y. Não resisto a dar-te a minha opinião. É claro que toda a gente o subscreve mas nem todos se reconhecem no vilão em que é transformado o povo português neste artigo. Não me quero colocar acima de ninguém, mas tenho pautado a minha vida por comportamentos que são muitas vezes considerados excêntricos. Para poder rebater uma das linhas de leitura que se pode fazer desse artigo, tenho que puxar primeiro, mas humildemente, dos galões de cidadão português.

- Tu conheces-me e sabes o que digo, sabes que sou contra tudo e todos, contra a venda ambulante no passeio e tenho com isso problemas graves a resolver com "essa gente";
- Sabes que não embarquei na compra da caixa TV Cabo quando todos os amigos do restaurante as andavam a comprar e o alvo da critica era eu mais a minha moralização do sistema;
- Conheces a minha casa e sabes que não há lá material de expediente da minha empresa;
- Também conheces a minha luta com a Câmara de Lisboa por causa da merda dos pombos e da caca dos cães; ou dos meus telefonemas para a Epal por causa das roturas das bocas de regas nos passeios;
- Testemunhaste o meu empenhamento apoiando o Miguel Sousa Tavares para evitar que o Cavaco fizesse o POZOR na Zona Ribeirinha de Lisboa, construindo ali uma barreira;
- Sabes que mantenho um blog na net que nasceu por outros motivos mas que não o acabo porque a minha luta lá é também esta;
- Em termos de pontualidade és testemunha de que na minha empresa sou credor de horas a mais que faço voluntariamente e detesto falhar um encontro marcado na hora;
- Pelos meus filhos me privei de muito presente para lhes dar o melhor em termos de ensino e que lhes digo que não se importem de tomar uma atitude mesmo que fiquem isolados, desde que saibam que é aquilo que devem fazer;
- Sou como tu um incorruptível e não dou a muitas empresas clientes a hipótese de confundirem os presentes Natal com outra coisa!

Enfim, tenho constantemente presente esta forma vertical de estar na vida. E apesar de concordar com o jornalista X não deixo de não te dizer que o que não aceito é tratar o Povo português por estúpido. Toda esta forma de ser tem uma razão subjacente, mas talvez o jornalista tivesse querido ficar apenas por ali. Somos o produto de qualquer coisa que nos aconteceu há algum tempo atrás. Quando fazemos estes juízos de valor sobre o Povo, comparamos sempre com sociedades mais evoluídas culturalmente, mas assim, deveremos também fazer o histórico dessa nossa evolução, porque é dessa análise que pode resultar a razão deste diferencial evolutivo. Sabemos como são ainda hoje um escândalo os níveis de iliteracia e até de analfabetismo. É assim que referindo-me ao que escreveu o Prof. Santana Castilho: (que podes reler num post de Fevereiro 2005)

“... O Iluminismo marca na Europa ...a primeira preocupação de tornar o povo letrado. E aí, começou Portugal a perder a oportunidade de acompanhar um movimento...”
“...em 1910, três quartos dos portugueses eram analfabetos...”
“...de 1925 a 1940 a estagnação foi desoladora...”
“... Um aumento significativo da despesa pública com a educação só se viria a verificar com Veiga Simão nos anos 70...”
“... O 25 de Abri alterou profundamente o status . O ensino abriu-se, a gestão tornou-se participada mas ineficaz e... a degradação continuou...”
“...A tónica dominante de toda a produção de ideias para o futuro passa pela necessidade de aumentar a cultura e o conhecimento das nações e decidir a luta pelas supremacias.”


Podemos então resumir que: um povo mal formado cultural e intelectualmente, vai acentuar o defeito ancestral de uma cultura de laxismo. Andámos aqui durante 50 anos bem alimentados de espírito com Fátima, Futebol e Fado, pobretes mas alegretes, os irmãos descalços da Europa. A nossa sociedade rural não permitia o luxo de deixar estudar as raparigas e os rapazes eram precisos para o sustento da casa. Tivemos sempre a infelicidade histórica de nunca ter gente com visão quando dispusemos de oportunidades, por ex. D.João V, com o ouro do Brasil e Cavaco Silva com o ouro do início da remessa de fundos da UE. Entretanto outros foram aproveitando soberbamente as oportunidades....

O que quero dizer com isto é que não são factores genéticos que determinam estes estados de desenvolvimento social e cultural. Há razões por detrás dos nossos comportamentos que não passam pela Estupidez, pelo contrário, como vimos foram razões políticas que estiveram na base de opções mal tomadas. Uma sociedade mal formada em termos culturais, não só deixará passar a negligência e a prepotência, como será também uma sociedade negligente e prepotente, mas nunca uma “matéria prima defeituosa”, diria antes, para corrigir a análise do jornalista X uma “matéria prima não tratada”, o que é completamente diferente.

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