"Costuma dizer-se que "as sondagens são o que são"... de qualquer modo, o que me preocupa é a tendência portuguesa para, por um lado, tentar penalizar o que considera causas do seu descontentamento e, por outro lado, a ainda deficitária interiorização da ética republicana que grassa na sociedade portuguesa. O que quero dizer com isto? Simplesmente que os portugueses, numa tentativa de penalização do governo e, consequentemente, do PS, podem projectar na votação no seu principal opositor a manifestação do seu "castigo"... o raciocínio é demasiado simplista e transporta em si próprio alguma perversidade que só os mais ingénuos podem descurar, para gáudio dos que fruirão desta decisão. Porque, na verdade, o exercício desta forma de acção significa que, para efeitos de provocação de um desagrado imediato ao partido do governo, os portugueses preferem não equacionar o futuro, recusando pensar nas consequências dos seus actos! De facto, se houvesse hábitos reflexivos na opinião pública, a hipótese de um cenário em que se altere a conjuntura parlamentar por via de eleições legislativas, seria colocada e a consciência de que as alternativas económicas à actual governação não são, nesse mesmo cenário, do interesse público, os cidadãos iriam perceber que votar Cavaco Silva é contribuir para legitimar um caminho que será muito mais penoso para Portugal do que o que actualmente trilhamos. Por outro lado, por razões que se prendem com a cultura democrática relativamente incipiente nas populações menos alfabetizadas, menos informadas e menos politizadas, a representação social do Presidente da República é ainda o que resta do que, entre nós, legitima o "apadrinhamento social" e a "lógica do favor" em prejuízo da "cultura do mérito" - razão pela qual a mudança presidencial se processa, no nosso país e ainda que num regime democrático, por desistência do cargo, seja por limite de mandatos ou por vontade própria... como se a essa figura coubesse uma "intocabilidade"entendida de forma ainda próxima de concepções religiosas medievais em que o poder se associava ao "sagrado"! Ganha aqui sentido a expressão "nem para si próprios sabem ser" porque esta forma de pensar aproxima a sociedade daquilo que as pessoas mais temem: o empobrecimento e o autoritarismo!... e, como sabemos, apesar de se dizer que "a vingança serve-se fria", a verdade é que a vingança nunca é a melhor forma de resolvermos os problemas!"
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Texto de Ana Paula Fitas no: Alegro Pianíssimo.
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Bom texto Ana Paula, no sentido em que tem pano para mangas e dizer muito de forma sintética não é fácil. Desde a deficitária interiorização da ética que grassa, até à vingança que se serve fria, há todo um cenário enquadrável numa questão que tem a ver com a tendência para o carneirismo do povo português, mesmo quando a Esquerda triunfa com Soares ou Sampaio, e é isso que me preocupa, porque, das duas uma, ou isto é vingança das corporações ou geral, ou é o efeito de seguimento do rebanho que também pode ter estado presente com os outros dois. É que quando o efeito da vingança praticado por pessoas esclarecidas pode dar CAVACO, o eucalipto secador de uma floresta que não gostamos, fica a dúvida se não será antes o do rebanho a funcionar.
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Fica a dúvida.
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2 comentários:
Graza :))
É uma honra ser citada por quem tanto e bem pensa e alerta a sociedade em que vivemos... Obrigado... particularmente por tudo quanto acrescenta ao que escrevi...
Um grande e sincero abraço.
Mérito seu! Só comentei...
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