19 junho 2005

Nova Lei do Arrendamento - Parte II

NOVA LEI DO ARRENDAMENTO
MAIS UMA TACADA NA CLASSE MÉDIA


PARTE II

ARRENDAMENTO URBANO

Porque é que os proprietários de todos aqueles edifícios vagos não os alugam quando têm o campo todo aberto à sua frente?

Se estão vagos não têm lá um qualquer inquilino a pagar-lhe uma renda de miséria e podem não só impor o custo que quiserem como ainda pôr o inquilino na rua ao fim de cinco anos? A LEI QUE O PERMITE É TOTALMENTE LIBERAL embora, digo eu, “obscenamente” desumana e antisocial.

Claro que só por manifesta impossibilidade económica (terá de se contentar com um abarracado ou uma habitação social) ou por razões circunstanciais, como por exemplo estarem de passagem ou terem idade para recorrer ao apoio ao arrendamento jovem - findo o qual irão adquirir uma casa - alguém se sujeita a uma situação de instabilidade e peso económico duma tal violência.

São capazes de me explicar, qual o peso e a culpa das famílias que têm contratos de arrendamento na situação descrita? Qual a sua culpa na situação de degradação dos edifícios habitacionais?
Pelo contrário, não será a existência desses contratos, sobretudo os celebrados antes de 1990, que tem impedido o arrasamento das cidades e da sua memória? Não será a esses inquilinos que teremos de agradecer que, apesar de tudo e como lhes é possível, sempre tenham ido conservando os prédios e mantendo-os de pé?

Diz o Governo que são cerca de 428.000 no país todo (menos de 10% e a descer continuamente). Aos que têm mais de 65 anos permite alguma folga, embora se fique com a desagradável sensação de que a generosidade se deve á perspectiva de que a lei da vida venha a resolver a maioria dos casos; aos absolutamente insolventes promete algum apoio...mas não por muito tempo! 30.000 vão pagar a taluda, a tal classe média.

Admito que muita gente bem intencionada mas, desconhecedora dos números e da legislação actual, tenha como verdadeira a mensagem com que é bombardeada sistematicamente. Até porque vê os prédios degradados cuja grande maioria se encontra nos centros históricos das cidades. Aquelas zonas que, até agora, não tinham sido apetecíveis à construção civil e às imobiliárias. Mas nos últimos anos descobriram-nas e são inúmeros os casos de edifícios de porte considerável ou até quarteirões inteiros transformados em condomínios de luxo. O caso mediatizado mais recente (e escandaloso) é o do Convento dos Inglesinhos no Bairro Alto. Será que vão chamar reabilitação à transformação integral desse edifícios onde apenas se conserva a fachada amiúde adulterada com um acrescento de vários andares? Claro que quem compra ou aluga estas casas não lhe interessa ter outro tipo de vizinhança e, também por isso convém o seu afastamento.

Se este processo fosse em frente, a descaracterização da população das cidades seria ainda mais acentuada. Diz-se, frequentemente, que Lisboa tendia para ser uma cidade para velhos pobres e novos ricos. Poder-se-ia passar a dizer que era apenas para estes últimos. Os concursos de televisão já não necessitariam de “quintas”. Para turista ver, as “celebridades” mascaradas de “povo” desceriam a Av. da Liberdade na noite de Santo António, enquanto outras assariam sardinhas nas ruelas e becos de Alfama.

COMO FAZER ENTÃO?

Pois bem, sem qualquer espécie de dúvida, sou capaz de afirmar o que, entre outras medidas, me parece dever ser feito para – RECUPERAR E MANTER O PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO; AUMENTAR A RECEITA FISCAL; mas até, APOIAR A CONSTRUÇÃO CIVIL. Só não consigo ter qualquer espécie de imaginação para a ganância e a especulação.

E a receita é muito simples:

- Obrigar a que se façam as obras que a Lei existente impõe. O Regulamento Geral das Edificações Urbanas em vigor desde 1951, nos Art.s 9º e 10º, determina a obrigatoriedade de execução de obras de reparação e beneficiação pelo menos uma vez de oito em oito anos, podendo as Câmaras determinar em qualquer altura a execução de obras precedendo vistoria.

Se isto for feito regularmente, as cidades “ficarão mais bonitas” naturalmente, com um esforço diluído dos proprietários e sem graves repercussões nos eventuais inquilinos que existam.

Basta para isso que as Câmaras incluam nos seus programas informáticos um registo de todos os imóveis situados no seu Concelho e, de sete em sete anos informem os seus proprietários de que no ano seguinte devem proceder às obras descriminadas no Aviso. Terão ainda de constituir um corpo de fiscalização que verifique o cumprimento da determinação. AH! e terão, com isso um aumento da contribuição autarquica, para além das receitas provenientes da emissão de licenças de obra (não serão tão vultosas como as da construção nova, mas talvez a quantidade venha suprir a diferença).

A construção civil, terá um vasto campo à sua frente em que deveria especializar-se, contribuindo para o desenvolvimento do país e não como seu coveiro. Com uma diferença não desprezível: é que a execução destas obras poderá ser feita por pequenas empresas, enquanto a construção de edifícios já exige uma grande construtora, tanto maior quanto maior for a dimensão do empreendimento. Se for um mega projecto, até poderá caber a uma empresa estrangeira e os nossos vizinhos estão preparados. Afinal, que país queremos nós?

- Uma segunda medida, tem a ver com a cobrança de impostos significativos a quem tenha casas devolutas. Obrigados a fazer obras e a pagar impostos e sem a expectativa de que o prédio vá abaixo em breve, certamente, muitos prédios passariam a ser habitados e deixar de contribuir para cidades fantasma. E o Dr. Bagão poderia arrecadar receitas sem bater sempre no mesmo ceguinho e vender o que pertence ao país.

- Os apoios estatais aos senhorios em dificuldade deveriam ser efectivos e de fácil acesso: ser apoiados, nomeadamente, na análise da forma como melhor poderiam rentabilizar os seus bens e ter apoios para o concretizar. Nos casos em que nada haja a fazer, lamento, mas esses senhorios terão de reconhecer que o seu negócio foi à falência.

Dir-se-á que não sou sensível às dificuldades dos senhorios com rendas antigas. Claro que sou, como do pequeno comerciante cuja proximidade de um hipermercado asfixiou; ou do pequeno industrial engolido na voragem da economia nacional ou internacional. Certamente, não é esta a sociedade que desejo mas, aposto que é aquela que os promotores da nova Lei defendem. Até porque antigos inquilinos e velhos senhorios estão todos praticamente no mesmo barco: ou são abatidos pela Lei do Arrendamento ou pelas SRUs (Sociedades de Reabilitação Urbana) ou simplesmente pelo mercado.

- Ainda uma nota, para os subsídios ao arrendamento que a anunciada nova Lei apregoa. Parece-me que o Estado poderá poupar nisso. Qual é a necessidade de estar a criar um novo subsídio? Não há um dever de subsidiaridade em qualquer sociedade que se pretenda respeitadora de todos os seus cidadãos? Não há um dever de garantir a todos condições dignas de existência que incluem a alimentação, um tecto, vestuário, ensino, etc.? Não é para isso que se pagam impostos? Pois é, o problema é quando as opções vão para a construção de estádios de futebol!

- E porque não criar algumas medidas que favoreçam a manutenção da classe média na cidade? Por exemplo: legislar no sentido de tornar atractivo o arrendamento aos potenciais consumidores em vez de repulsivo (quem quer alugar uma casa cujo direito lhe é manifestamente instável e pela qual vai pagar tanto ou mais do que se adquirir um fogo cuja amortização representa poupança?); apostar manifestamente no desenvolvimento do sector cooperativo dirigido à recuperação dos imóveis; fomentar programas do tipo dos Contratos Programa Habitação; não permitir que empresas com capitais públicos, género EPUL, se afastem dos seus fins que são ser um regularizador do mercado; exigir que qualquer alteração construtiva que não se limite a melhorar apenas o que já existe, seja fundamentada em pareceres, sujeitos a verificação, de impacte não só ambiental como social, para que as novas gerações não venham a receber uma herança excessivamente negativa; etc.

Em suma

Estou convicta que, a Lei anunciada, a ser aplicada, representa uma desumana acção sobre famílias na sua grande maioria não jovens, nem ricas, com graves repercussões na sua estabilidade económica e emocional, sem qualquer benefício justificável ou previsível para o país. Não se traduzirá em qualquer assomo de recuperação do edificado. Não resolverá uma parcela por mais mínima que seja da situação económica do país. Mas certamente, a família imobiliária terá o terreno mais aplainado porque mais um escolho, talvez o último, foi retirado.


Texto de: MDV

Setembro de 2004

1 comentário:

Toix disse...

Obrigado pela grande visita com que me brindou. E por aqui? ...desde há uns tempos que não há novidades, estamos à espera!