26 novembro 2006

Continente vs. Metrópole

Fiz a minha juventude em Angola, nos confins do continente Africano na década de 50/60. Mais própriamente no Colonato da Cela, a aldeia chamava-se Vimieiro e a vila era Santa Comba, ou Santa Comba Dão. Portanto havia por ali muito Salazar. Como Angola era uma colónia portuguesa, eu tinha vindo da Metrópole, eu era um colono. Se eu estava a fazer alguma coisa mal feita juro que não dava por nada. Política nem sabia o que era, vagamente podia achar política àquela atitude insubmissa, muito recta e muito justa do meu pai que nem ao padre desculpava aqueles sermões poeirentos e imobilistas. A palavra colono – naquilo em que tradicionalmente ela arrasta de conservadorismo e desprezo pelos direitos naturais das populações autóctones - só nos assentava em cima porque nos tinham distribuido uns enormes chapéus de cortiça forrados a pano branco, para parecermos mesmos colonos, à légua. Vivi os piores momentos da minha vida, desterrado, com uma saudade que quase matava e com a dúvida angustiante se algum dia voltaria para Portugal . Para Portugal.

Metrópole, veio depois quando começaram as aulas. A partir daí o meu Portugal passava a ser a Metrópole e não foi fácil porque volta e meia tínhamos que por a mão na boca porque queria sair o Portug... Convivo por isso sem complexos e pacíficamente com o termo porque ele só valia para definir aquela terra que eu adorava. Primeiro, porque colono com aquela carga só os outros me podiam ver e depois porque todos fizemos parte daquele regime mas nem todos pertenceram à União Nacional. Os termos valem por isso o que valem. Encontro nisto uma enorme relatividade porque assim como um tiro põe debaixo da cama um soldado stressado, algumas palavras podem trazer pelo mesmo mecanismo memórias incómodas e nestes casos, o problema pode não ser do tiro ou da palavra mas do soldado ou da memória, embora reconheça que o inverso também é verdade e o soldado possa desatar aos tiros e a memória a incomodar muita gente.

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