14 novembro 2009

Refugos na TVI - (Reeditado)

A Pide não escutava por motivos criminais, não andava a saber o que cada um falava porque o seu zelo se estendesse à prevenção do crime. A Pide escutava puramente por motivos políticos. A Pide só queria saber o que cada um dizia politicamente, não me consta que os criminosos tivessem a Pide à perna.

Ora: “O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, decidiu, ontem, sexta-feira, anular e destruir as escutas telefónicas do processo Face Oculta em que intervém o primeiro-ministro, José Sócrates, à conversa com Armando Vara. (...) O presidente do STJ terá considerado as escutas nulas e irrelevantes do ponto de vista criminal.”. Lido no JN. É um juiz, e logo o presidente deles, que o diz: “... do ponto de vista criminal” que é isso que lhe interessa e está em causa, porque as escutas neste Estado de Direito só são permitidas em investigações criminais e com moldura penal superior a três anos, e não em investigações políticas. O que alguns arautos da defesa do Estado de Direito reclamam è a sua subversão pela via das alterações pontuais em função dos seus interesses políticos, esquecendo que a abertura a esse voyerismo é o principio que pode vir a legitimar a coisa mais execrável num regime político: a escuta segredosa ao cidadão. Isto deixa-me um arrepio no pelo, mas pelos vistos não deixa a todos. E vi ontem alguns na TVI, o José Manuel Fernandes, pois claro, e um artista com um ar muito pouco recomendável António Ribeiro Ferreira, sobre o qual descobri esta pérola de veneração a Bush, tendo-o descoberto nesta e nesta onde o pode conhecer. É com arautos destes que o jornalismo e a Direita vão fazendo o seu caminho, e é uma pobreza que a televisão promova o seu fel, unicamente à cause de Sócrates.
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Reediação depois da audição do "Contraditório", na Antena 1:
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Um dos riscos que se corre quando se escreve a quente, é o de laborar num raciocínio errado, e esse foi um risco corrido neste post. Mas vi as reacções de alguns políticos a este problema e cada vez mais, e por isso, me sinto melhor no raciocínio autónomo sem precisar de correias de transmissão política. Remeto-vos para este programa da RDP, o Contraditório, com Carlos Magno, Luis Delgado e Ana Sá Lopes.

Diz Carlos Magno: “Há coisas que um cidadão não faz, não faz pelas pernas abaixo e não comenta escutas.” De memória, dizem eles, e até o inefável Luis Delgado, entrou neste acordo de conversa: “Quem colocou as escutas cá fora cometeu um crime. Repugna-me que alguém seja quem seja, esteja a ser escutado. Como diz o Bastonário Marinho e Pinto, até um arguido e o seu advogado tem o direito a não ser escutados, quando alguém está a escutar, deve parar logo ali.
Vejam lá o que isto dá: aqui há coisa de um mês andávamos todos preocupados a discutir porque o Presidente estava a ser escutado, afinal era Sócrates que andava a sê-lo há quatro meses. Provavelmente andamos todos a ser escutados isto é uma sociedade inquisitorial pidesca, soviética, própria de regimes ditatoriais etc. etc. “
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Direi mais: é preciso registar os nomes de quem está a dar apoio ou concorda com a isto porque não é gente de confiança para alguma vez ter acesso aos destinos deste país.

Clique no link daquela conversa, e depois no botão de áudio para ouvir, porque raramente lhe sugiro coisa que não mereçam ser ouvidas.
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15 comentários:

Alexandre de Castro disse...

Caro Grazina:
Se percebi bem o seu texto, julgo que está a considerar ilegal a escuta em que o DIAP de Aveiro apanhou Armando Vara a falar ao telefone com o Sócrates. É um erro em que está a incorrer muito boa gente. Quem andava a ser escutado era o Vara e os investigadores não podiam adivinhar que iria aparecer na linha a voz do primeiro ministro, nem por tal facto, se sentiram obrigados a desligar o telefone. Portanto, aquelas escutas, devidamente autorizadas por um juiz de Direito, são legítimas e válidas juridicamente, já que não consigo conceber que, no plano jurídico, uma qualquer prova seja legítima sem validade e válida sem legitimidade.E aquelas escutas são legítimas e válidas em relação à investigação do Vara.
Outra coisa é elas poderem ou não fundamentar a abertura de um inquérito ao primeiro ministro. E aqui os especialistas de Direito Penal dividem-se. No meu ponto de vista, o inquérito deveria ser aberto, com a devida autorização do presidente do STJ. Eu não entendo porque o PGR e o presidente do STJ afirmam categoricamente, sem uma qualquer investigação posterior, que os indicios que os magistrados de Aveiro apontaram não prefiguram possíveis actividades delituosas de Sócrates? Possivelmente eles são adivinhos!
Mandar destruir as gravações daquelas escutas é uma enormidade jurídica, já que vai destruir-se elementos incriminatórios do Vara. A não ser que se pretenda atenuar a gravidade dos crimes que são atribuídos ao sujeito! Desde que vi um porco a andar de bicicleta no Rossio, já acredito em tudo, até nas aparições de Fátima.

Alexandre de Castro disse...

No último parágrado, deve ler-se:

"... já que vão destruir-se elementos incriminatórios do Vara,"

Graza disse...

Caro Alexandre.

Não. Não estou a considear essas escutas ilegais, estou a considerar que um instrumento daqueles deve limitar-se exclusivamente “ao que vai”, e ao que ía, pelo que se diz, era à investigação dos mecanismos pouco ortodoxos do Vara, que podem vir a configurar o crime de corrupção ou outros, para obter as suas vantagens nas negociatas com o sucateiro. Continuarem por ai fora, escutando, indo atrás dos bitaites do Sócrates para o Vara, sobre as suas naturais revoltas com o arremedo de jornalismo que se fazia na TVI, ou porque num ataque de fúria - que também eu teria só de pronunciar o nome da Guedes - lhe tenha colocado o nome ao nível da sargeta, é quando a mim e a muita gente perigoso, porque de muita má memória, e se isto não é ilegal, deveria sê-lo. Tenho muito medo de um país em que um qualquer sarrabeco que não sei quem é nem nunca virei a saber, nem de quem é filho, possa escutar as três principais figuras da nação que essas sim, eu elegi. Ao defender desta forma também o Cavaco e o Gama que eu não gosto, sinto que me estou a defender a mim, e não percebo a atitude do Jerónimo e do António Filipe na ambiguidade das suas posições.

Se a minha revolta pecar por alguma coisa é apenas porque sinto afinal que aquilo que mais abomino parece estar aí sem que nós saibamos: AS ESCUTAS! Só a palavra me assusta e não precisei de ter dorminado nos calabouços da Pide para que isso me gele a espinha. Aceito que alguma coisa se nos escape na Justiça, enquanto não descobrirmos melhor forma de o evitar, aceito melhor esse prejuizo do que ter uma sociedade onde não tenho a segurança e a liberdade de poder falar livremente ao telefone.

Alexandre. É uma das actividades mais rasteiras de qualquer Estado essa de escutar um cidadão por um qualquer método elástico ao sabor das conveniências momentâneas, numa qualquer catacumba, ainda que ela seja na luxuosa instalação envidraçada de uma qualquer zona in da cidade.

Saudações.

Graza disse...

... também eu a fazer revisão à posteriori! No penúltimo parágrafo deve ler-se:

"... não precisei de ter dormido nos calabouços..."

Ricardo Sardo disse...

Caro Alexandre, quanto à questão jurídica (e não querendo ser pretencioso), convido-o a ler a minha posição no Legalices (através do meu perfil, poderá linkar no blogue).
Adianto, desde já, que, a meu ver, as escutas sobre Sócrates são nulas, mas tenho muitas dúvidas sobre se são válidas quanto a Vara, como explico num dos posts.

Graza, já tive oportunidade de ouvir todo o programa e concordo com a ideia generalizada, opinião que até tem sido defendida por muitas mais pessoas: estamos a tomar posição a pensar que o envolvido é Sócrates e não o Primeiro-Ministro. E considero que esta é a questão crucial. Deveremos pensar se é legítimo (e não estou a falar se é legal, do ponto de vista jurídico...) escutar (da forma como o foi) o PM, independentemente de ser Sócrates, Ferreira Leite, ou Cavaco (como Presidente, que está na mesma posição jurídica do que o PM e o Presidente da AR). Muita gente defende que são legais porque é Sócrates, aquele que odeiam e muitos alegam a sua nulidade porque é o "chefe".

Abraço.

Ricardo Sardo disse...

Alexandre, remeti-o para o meu blogue (Legalices), pois lá desenvolvo bastante a questão e não conseguiria nucna resumir o que lá está, pelo que penso ser preferível fazer a remissão...

Alexandre de Castro disse...

Caro Grazina:
As escutas efectuadas no âmbito da Operação Face Oculta, obedeceram aos preceitos legais, tendo sido autorizadas pelo respectivo juiz de Instrução Criminal, que, posteriormente, as validou. Cumpriu-se assim o que o novo Código do Processo Penal estipula, código este que o anterior governo de Sócrates propôs, tendo sido aprovado na AR pelo PS e pelo PSD, que, certamente, interpretaram bem a vontade do eleitorado que neles votaram em 2005. E no programa eleitoral do PS para as últimas legislativas e no programa do XVIII governo, já aprovado, não consta nenhuma proposta para rever aquele polémico código, sinal inequívoco de que Sócrates e os seus pares concordam inteiramente com a legislação actual sobre o regime das escutas, interpretando bem, possivelmente, a vontade do seu eleitorado.
É também sabido que, neste caso, apenas estavam sob escuta os telefones do Vara e, aos investigadores, seria impossível adivinhar o momento exacto em que Sócrates aparecia na linha.Esta distinção é fundamental para que não se alinhe na confusão que se procura criar, espalhando aos quatros ventos que, quem esteve sob escuta, foi o Sócrates. Isso não é verdade, pois, nesse caso, o juiz de instrução e o procurador adjunto, titular do processo, teriam de ser processados e julgados.
Discutir, ao nível destes comentários, as vantagens ou desvantagens das escutas, não é pertinente, pois não é isso que está em causa, embora adiante que não concordo com alguns aspectos consagrados na lei, a respeito das escutas, assim como não concordo com algumas disposições do Código do Processo Penal, que, como sabe, foi gizado à pressa por causa do processo da Casa Pia, onde se encontravam alguns dirigentes do PS, como arguidos.

Graza disse...

Alexandre.

Desculpe pegar pelo fim do seu comentário, mas é que acho ali uma sua declaração importante. Bem sei que misturar nesta discussão o respeito pelo conteúdo da lei da escutas, com a existência das suas vantagens ou desvantagens, complica um pouco a questão, mas ao contrário, acho que a propensão para uma maior ou menor concordândia com o segundo termo em debate, provoca também as tendências para a aceitação de uma ou outra condição verificada durante as escutas. Ou seja, ser mais exigente ou radical no controle das escutas não permitiria que se continuassem as escutas a partir da uma primeira vez em que foi detectada a conversa com Socrates, digo, Primeiro Ministro. A partir dali, só reportando para o STJ, segundo o António Vitorino, agora na RTP. E como ele bem diz, não fosse a extração das certidões por Aveiro, e ficaríamos todos sem saber nunca que o Primeiro Ministro de Portugal, que é isso que está em causa, andou a ser escutado por um qualquer zé dos anzóis durante quatro meses. Quatro meses Alexandre, sem dar cavaco nem Cavaco! Acha isto seguro?! Não tenho portanto dúvidas que como diz: “...obedeceram aos preceitos legais, tendo sido autorizadas...” mas já não sei, face às outras leituras que vou fazendo, que:“...Cumpriu-se assim o que o novo Código do Processo Penal estipula,”

Não tenha porém dúvida quanto ao meu empenho em ver este país limpo, a forma como o faço é que pode não ser ortodoxa por não se enquadrar em nenhum dos figurinos em presença. E isso, é porque encontro em todos eles enormes falhas que fazem que nunca me reja nas suas práticas.

Ricardo Sardo disse...

Caro Alexandre, apesar de não ter sido directamente dirigido a mim, permita-me responder ao seu comentário:

1) Como escreveu e bem, a reforma penal, que abrangeu a revisão do codigo penal e do codigo de processo penal, foi o resultado do famoso pacto da Justiça entre PS e PSD e das reclamações dos vários operadores judiciários (magistrados judiciais, magistrado do MP, advogados) e juristas, que criticavam certos aspectos da legislação em vigor até então e que vinha desde 1986.
A revisão não foi propriamente "feita à pressa". Foi, isso sim, publicada e entrou em vigor num curtíssimo espaço de tempo, não dando praticamente tempo para que os operadores judiciários estudassem devidamente as novas normas e se preparassem (e adaptassem) para as mudanças no processo. Insinuar que as alterações legislativas foram feitas à medida e de propósito para o processo Casa Pia ou para evitar que gente poderosa (ou famosa, já que nem sempre é o mesmo) pudesse a vir a ser novamente importunada pela Justiça, é, perdo-me a comparação, fazer o que Ferreira Leite tem feito com o Face Oculta, o Freeport, etc: usar insinuações e especulações para fazer chicana política.
Muitas das alterações foram positivas, como, alías, concluíu o Observatório Permanente para a Reforma da Justiça.

2) Quanto às escutas... Como o Graza referiu, António Vitorino (que já foi Juíz do Trib. Constitucional e é um brilhante jurista) foi peremptório: as escutas são inválidas para o PM, por violarem (grosseiramente, acrescento eu) o art.º 11º do CPP, que estipula que apenas o Presidente do STJ autorize ou ordene a transcrição de escutas, de conversações, em que INTERVENHA o PM, o PR ou o Presidente da AR. Repito: INTERVENHA. Basta intervir, como foi o caso, para que estas sejam nulas, por falta de autorização prévia do Presidente do STJ. E foi isso (e com base neste fundamento) que Noronha de Nascimento decidiu pela sua nulidade. Outra questão é se serão válidas contra Vara, apesar de reconhecer que o art.º 11º impedirá, também, que sejam utilizadas contra quem estava legalmente a ser escutado. Estamos a falar de conversas do chefe de governo e não de um cidadão qualquer e estas, mesmo que privadas, podem conter matérias sensíveis para o Estado, pelo que se compreende (e foi este o objectivo da alteração das normas respeitantes às escutas) que apenas a mais alta figura do poder judicial tenha o poder de escutar as mais altas figuras dos restantes poderes (executivo e legislativo).

3) Claro que não sabiam que era para Sócrates que Vara ligava, mas logo que tomaram conhecimento do destinatário da chamada, deveriam colocar a hipótese de a conversa não poder vir a ser utilizada e estavam obrigados a chamar o Presidente do STJ ao barulho, para que se cumprisse o art.º 11º do CPP. Para além de não o fazerem, continuaram a escutar conversas durante meses, quando sabiam, pelo número que aparecia, que seria Sócrates a atender do outro lado da linha... E, só depois de algumas conversas, é que lá enviaram os cd's para a PGR, que, por sua vez, enviou ao STJ. E, depois disto, voltaram a ouvir as conversas com o PM, cd's esses que foram agora enviados para o STJ e ainda não se sabe se serão declaradas nulas, como as anteriores.

Espero ter esclarecido...

Alexandre de Castro disse...

Um dos princípios fundamentais da Justiça é descobrir a verdade dos factos, o que obriga a que, na fase do inquérito, se flexibilize a interpretação das naturais e involuntárias ambiguidades que o Direito proporciona, e de que os advogados vivem, já que, orientando-se ele pelos princípios da racionalidade e da lógica formal, não é todavia uma ciência exacta. Por isso, nas leis, é vulgar existirem contradições, que só a jurisprudência resolve.
Considero que aqueles que se limitam exclusivamente a recorrer ao artigo 11 do CPP, ignorando, por conveniência ou não, o estipulado no mesmo código, nos artigos 187 a 190, onde o legislador colocou todo o seu esforço e empenho para definir com ênfase o conceito e os procedimentos em relação às escutas telefónicas ou em outros suportes (intercepção, gravação e posterior transcrição), revela não estar interessado em descobrir a verdade, que é o objectivo máximo pretendido pelo legislador.
O aludido artigo 11, refere, na realidade, o verbo “intervir”, embora de uma forma descontextualizada, quando subordina as escutas ao primeiro ministro, ao presidente da AR e ao Presidente da República, à autorização prévia do presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Quem se limitar a interpretar o citado artigo de uma forma linear, conclui que, no caso aqui em discussão, os investigadores deveriam imediatamente ter desligado o telefone quando lhes surgisse, do outro lado do fio a voz do primeiro-ministro, esquecendo que, se assim fosse, a investigação perderia uma oportunidade para descobrir a verdade em relação ao suspeito, para o qual havia a respectiva autorização judicial para ser escutado. Seria uma perversão, que iria obstaculizar o inquérito. Se fosse essa a vontade do legislador, ele teria certamente regulado os respectivos procedimentos no Capítulo IV do CPP, que é a parte do código que se dedica exclusivamente às escutas, e onde, curiosamente, também consta a proibição da intercepção e gravação de comunicações entre o arguido e o seu defensor. E se o legislador não consagrou tal anacrónica exigência, a de suspender imediatamente a intercepção da comunicação, onde interviessem aqueles titulares, é porque definiu convenientemente quem é que pode ser submetido ao processo de escuta. Apenas o arguido ou o suspeito (alínea a) do número 4 do artigo 187). Mas ao dispor assim, o legislador excluiu, sem qualquer excepção, qualquer interlocutor do escutado, interveniente na comunicação.
Aquelas opiniões, que sustentam que José Sócrates foi escutado, não têm cabimento jurídico, assim como nenhum cidadão, que seja apanhado numa conversação com a pessoa escutada, não poderá invocar em sua defesa a invasão abusiva à sua privacidade, já que a lei, preventivamente, não o considera objecto da escuta.
É certo que a intoxicação da opinião pública já começou, tendo precisamente arrancado com esta imprecisão involuntária do legislador, que de maneira nenhuma pretendia excluir os titulares dos três órgãos de soberania, da admissibilidade à escuta, na sua condição de meros interlocutores.
Com este texto esgotei a argumentação sobre o assunto desta polémica, que, como já disse, divide os penalistas. Por isso, não regressarei ao tema, neste espaço, independentemente de outros contributos que venham a surgir.

Graza disse...

Obrigado Alexandre e Ricardo pelo valor da contribuição que deram a este debate.

Por mim, chego a um ponto em que não me é possível avançar de outro modo, por falta de formação específica, ainda por cima, quando as dúvidas já que colocam não ao nível da interpretação da lei mas do espírito do legislador. Acompanho por isso os pareceres de quem tem obrigação de ter uma opinião mais fundamentada do que a minha, e a quem vou conhecendo o equilíbrio do raciocínio.

Alexandre de Castro disse...

Caro Grazina:
Foi um prazer ter colaborado no seu blogue.
Um abraço
Alexandre de Castro

Ricardo Sardo disse...

Caro Alexandre, correndo o risco de não obter resposta, permita-me refutá-lo:

1) sem dúvida que a meta de qualquer investigação (incluindo o julgamento) é a descoberta da verdade material. Mas, para o efeito existem inúmeras regras, procedimentos que estabelecem fronteiras e requisitos, pois nem todos os meios justificam os fins; ignorar ou contornar tais regras (ou "flexibilizá-las") é abusar do processo para, por meios ilegítimos, obter os fins pretendidos;

2) Não ha volta a dar-lhe, o Alexandre considera as escutas legais, eu considero-as ilegais. É este o meu posicionamento jurídico (e só jurídico, pois não me interessa, para esta matéria, se o PM é Sócrates ou outra pessoa qualquer) e fundamentei-o em vários posts. Não irei, pois, repetir-me;

3) No seu último comentário, apresenta dois novos argumentos:

- Sem dúvida que temos leis ambíguas, mal redigidas, demasiado (e convenientemente) vagas, dando a azo a várias interpretações, e uma péssima técnica jurídica recentemente adoptada pelo legislador (sobretudo, como já escrevi por diversas vezes no Legalices, pelo actual governo). Porém, nesta matéria considero não existir grande margem para interpretações diversas do que aquela perfilhada, por exemplo, pelo presidente do STJ nesta matéria, posição que corroboro, pelas razões indicadas. Para além da letra da lei ("em que intervenha o PM, o PR..."), o espírito desta indica o mesmo sentido. Atente-se, por exemplo, na intenção do legislador ao alterar o art.º 11º, onde demonstra uma clara intenção de condicionar todas as escutas às 3 principais figuras do Estado à mais alta figura do poder judicial.

4) No Legalices esmiuçei também os art.ºs 187º e 188º e defendo que também pelo nº7 do 187º não seria possível aproveitar as escutas contra Sócrates (e aqui falo em Sócrates como mero cidadão e não PM). Como PM, acresce a exigência do 11º...
Perdoe-me a ignorãncia, mas desconheço se o Alexanre é jurista. Se for, certamente saberá que o regime das escutas pauta-se por um princípio orientador, que é o da subsidariedade e excepcionalidade, isto é, apenas em casos excepcionais e restrictos é que se pode escutar, pois tal meio de obtenção de prova colide com direitos fundamentais, em especial a privacidade e a reserva da vida íntima. "Flexibilizar" os requisitos do regime das escutas no CPP constitui, a meu ver, um abuso deste meio de obtenção de prova e, como tal, será nula a prova obtida sem respeitar todos os requisitos estabelecidos. Porque senão correríamos o risco de ver as vidas dos cidadãos devassadas, mesmo que não fossem arguidas.

Abraço.


PS: um exemplo de aplicação do nº7 do artº 187º (norma que regula as "escutas fortuitas": o MP (a PJ) escuta os Suspeitos A, B e C, por suspeita de estarem a preparar um assalto a uma carrinha de valores. Num dos telefonemas do A, é o B que está do outro lado da linha e começam a falar de um outro assalto (a uma outra carrinha de valores) no dia seguinte ao primeiro, que está sob investigação. Depois, liga para o C e falam do mesmo. E, depois, liga para um individuo (D), que o MP desconhecia existir. E falam sobre os dois assaltos.
As conversas entre o A, o B e C são válidas, quer para fazer prova do primeiro assalto (as escutas foram admitidas para esse efeito) e para o segundo (por força do nº7 do artº 187º, por ser fortuita e os escutados serem suspeitos). Já quanto ao D, a conversa captada não é válida, pois não é nenhuma das pessoas que podem ser escutadas pelo nº7 do artº 187º.
Penso ter sido claro...

Alexandre de Castro disse...

Caro Ricardo:
Eu não sou jurista. Sou apenas um modesto jornalista. Como disse no meu último comentário, esgotei todos os meus argumentos. Li o CPP, tenho acompanhado as opiniões de diversos juristas, que, como sabe, dividem-se nesta matéria.
Eu apenas falo de flexibilidade interpretativa, que se instala no Direito e na Justiça, como sabe, quando se aparecem ambiguidades nas leis.Não pretendo que essa flexibilidade se atravesse no caminho das liberdades e nas garantias individuais. E digo isto, com a mesma convicção de há 45 anos, quando tomei consciência política e comecei a militar na luta contra a ditadura.
Há sem dúvida duas questões que nos dividem. A decisão do presidente do STJ mandar destruir os suportes das gravações, pois considero que esses suportes pertencem ao processo do Armando Vara, que está a ocorrer com toda a normalidade e legalidade, e à validade da escutas, que apanharam José Sócrates, que deveria ter consequências se, na realidade, existissem indícios de actividade criminosa. E, sobre isto, muita coisa ainda irá saber-se.
E desta posição ninguém me tira, não por obstinada teimosia, mas antes por arreigada convicção.
Tudo o que acrescentássemos a esta troca de comentários seria redundante, pois iríamos repetirmo-nos indefinidamente.
Os meus cumprimentos
Alexandre de Castro

Ricardo Sardo disse...

Alexandre, respeito, como é obvio, os seus argumentos e a sua posição. Esta é, até, bastante bem fundamentada, apesar de não ser jurista (por isso perguntei se era, pois costumo perceber logo quem é e não é e consigo não percebi...)
Como escrevi anteriormente, as escutas são nulas porque envolvem o PM. Se não envolvessem o PM, mas um cidadao comum, mesmo nas condições de Sócrates (desconhecido dos investigadores), seriam nulas para o outro cidadao, mas nao para o suspeito escutado.

Independentemente da interpretação correcta da Lei (eu considero que são nulas), tenho dúvidas se será justo ou não não poderem ser utilizadas contra Vara. Isto é, apesar de envolver o PM e serem inválidas contra este, poderiam ser válidas contra o escutado. Penso que será esta a grande crítica que o Alexandre faz...
Este entendimento, reconheço, levantaria um problema: sendo a conversa com o PM (ou o PR ou o presidente da AR) e válida contra o suspeito escutado, estariam a ser divulgadas conversas sensíveis, pelas pessoas que nela intervêm...

Talvez venha a ser (espero que sim) aperfeiçoado o regime das escutas, esclarecendo, preto o branco, o sentido que considero (e considera a larga maioria dos penalistas e o Presidente do STJ) estar no CPP...

Abraço.