Um dia acharia estranho não ler aqui uma referência simples que fosse à morte de Saramago. É nesse sentido que o faço, não que subscreva o formato de texto obrigatório, mas como nestas ocasiões as palavras são de circunstância e tendem para o lugar-comum o melhor é poupá-las para se sobreporem a qualquer texto laudatório.
O rescaldo das cerimónias impõe a questão do homem confrontado com estas homenagens. Ele sabia que seria inevitável este processo que agora vai começar a transcender a sua vida e que já não estaria cá para evitar aproveitamentos e promoções pessoais, penduradas no brilho com que alguns ou algumas ornamentam os discursos fúnebres pejados de alegorias e frases feitas: “...Deus tinha fé em Saramago”, “Não há palavras, Saramago levou-as todas”, ele sabia-o, mas só em vida se lhes poderia opor.
Quanto ao caso Cavaco, esqueçam-no, porque Saramago aceitou que não estivesse presente nas cerimónias e concedeu-lhe que tivesse uma última atitude digna, porque acha que qualquer homem tem sempre esse último direito a preservar a sua honra, ou o que sobre dela. Estar presente, seria sujeitar-se neste último encontro a uma luta patética pela sua dignidade e isso, nem Saramago quereria. Mas concordo que o pior serviço que se pode fazer à sua obra é politizá-la, porque ambos são já de um património mais vasto e estão a caminho na universalidade. Só o Vaticano continua preso aos seus demónios. Se houver Deus, acredito que salvará aquela Igreja um dia.
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5 comentários:
Graza:
Concordo com tudo o que diz.
Só acrescento que, se o Cavaco tivesse vindo, ao menos ainda estaria a lutar por alguma dignidade.
Assim, prescindiu dela.
Um abraço.
Tacci, cá para nós foi melhor assim, com esta espécie de incidente protocolar ficou ainda mais vincada a borrada. Não fez lá falta nenhuma.
Grazina:
Já sabe a minha opinião sobre este incidente. No meu ponto de vista, Cavaco Silva, já como presidente, deveria ter ultrapassado esta questão, tal como fez Durão Barroso. Convidada José Saramago para um almoço e, publicamente, declarava que o incidente relacionado com a censura ao livro "Evangelho segundo Jesus Cristo" estava ultrapassado. Não perderia a dignidade, antes a aprofundava. Ele, como presidente, tem de dar sinais inequívocos de que representa todos os portugueses e não apenas alguns.
É lamentável verificar que a Espanha, proporcionalmente (considerando que Saramago não era um cidadão espanhol,)fez-se representar melhor no funeral do que Portugal. E isto por culpa do Cavaco, já que o governo e a Câmara de Lisboa estiveram à altura das suas responsabilidades, o que registo com satisfação.
Estamos presente um Saramago, um escritor admirado em todo o mundo e que é estudado nas melhores universidades.Camões e Pessoa, outros dois escritores universalistas, morreram ignorados. Não sei se Portugal, na sua mesquinhez, está à altura destes vultos.
Um abraço
Meus Caros:
Entendo o vosso pondo de vista que é no fundo o dos portugueses de outros quadrantes que não foram vesgos e não confundiram os dois planos ao analisar Saramago, e quando refiro isto, lembro-me sempre da impecável posição do padre Carreira da Neves. O que eu pretendo fazer ressaltar é que não conseguiria ver na presença de Cavaco nas cerimónias a figura do P.R., porque ela se misturaria com os sentimentos que o “homem” me provocam, e de alguma forma, aquele acto branquearia um pouco atitudes passadas. Cavaco, ficou definitivamente agarrado ao um anti-Saramago agora sem possibilidades de redenção. Um dia, um P.R. com outra estrutura cultural poderá limpar esta nódoa na Presidência da República.
Foi mais importante para mim que ele não tivesse estado: é que confesso, não gosto nada do style daquele homem.
A divergêncoa é superfial. Em comum, temos a mesma grande admiração pelo escritor Saramago. E isso é que importa.
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