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09 novembro 2007

Os Sem-Abrigo - Parte II

As necessidades destas pessoas vão muito além de uma sopa, basta olhar para qualquer uma para se perceber que precisam de mais higiene pessoal, precisam de ter acesso a consultas médicas que os recuperem de males de simples tratamento por vezes, precisam de um tecto e de roupas de agasalho no Inverno, precisam de ter zonas onde possam repousar sem ter que vaguear de arcada em arcada, colidindo constantemente com a sociedade que não pode e não sabe conviver com estes problemas, havendo já de prova suficientes conflitos, precisam de ter zonas onde possam ter um convívio possível e até, locais onde possam ainda experimentar a sua utilidade para a sociedade e quem sabe, a sua reinserção. Fazer com eles uma festa de vez em quando como acontece, se bem que louvável, é tapar o sol com a peneira e esquecer que há mais 364 dias. Na impossibilidade da resolução deste problema a montante, uma das hipótese de atenuar os seus efeitos sobre os atingidos e a sociedade, seria a concretização de um projecto nestes moldes:

1 - Ele tem que ser desenvolvido num local que possa reunir todas as condições para implementação de todas as necessidades atrás descritas em conjunto e não se confinar a uma reconversão do actual refeitório mantendo a mesma estrutura.

2 - Esse espaço, amplo, deveria ser obviamente dentro da cidade e de uso exclusivo. A sua dimensão deveria ser suficiente para poder acolher um projecto integrado.

3 - Deveria ser num local com alguma arborização e zonas verdes, de acesso fácil e livre mas condicionado. Este acesso condicionado resultaria melhor num espaço com entrada e saída única.

4 - Deveria ter estruturas de apoio privadas para os funcionários da Instituição, a pessoal médico, para-médico e de vigilância/segurança.

5 - A gestão e o suporte financeiro, para além do que actualmente suporta o que funciona actualmente na Av. Almirante Reis, ao Jardim dos Anjos, deveria ser encontrado numa parceria entre a Santa Casa e com outras Instituições de grande credibilidade como as que já citei e estou convencido o próprio cidadão de Lisboa não descartaria a ajuda intermitente ou permanente no apoio aos seus “Sem-Abrigo”.

6 - A construção de um projecto de raiz colocaria várias questões. Desde as de carácter financeiro ao da própria exequibilidade do projecto, em função da aplicação de um método para a resolução de um problema cujas perguntas não têm respostas definitivas, por estarmos a lidar com franjas que insistem na sua marginalidade à sociedade, daí a necessidade de integrar todos os que se dedicam ao problema

7 - O procura e o aproveitamento de estruturas disponíveis na cidade, pela Câmara Municipal de Lisboa em conjunto com o Governo e até instituições que historicamente se tem dedicado à assistência social, deveria encontrar soluções que financeira e logísticamente se enquadrassem nos requisitos, podendo nascer daqui uma Instituição exclusiva que aproveitasse as mais valias dos conhecimentos que a integrassem.

8 - Em tempos falou-se na desafectação do perímetro onde está instalado o Hospital Júlio de Matos e transferi-lo para outro local, aqui está agora uma boa razão para manter espaços destes dentro da cidade. Uma estrutura daquele tipo seria o modelo ideal a procurar e aquele que se enquadraria totalmente num projecto com a utilidade destes. A única alteração que lhe faria, admitindo a transferência do Hospital, seria a substituição daqueles muros por separador alto que permitisse a visibilidade igual ao existente no Ministério da Marinha no Terreiro do Paço e do Museu da Electricidade.

De qualquer forma a Sopa dos Podres prova ainda a sua utilidade, mas a manutenção dos seus métodos e a repetição diária daquele cenário e o seu desenquadramento temporal precisam de urgente e radical alteração sob pena de provarmos que pouco evoluímos desde aqueles tempos de penúria.

07 novembro 2007

Os Sem-Abrigo - Parte I

Não sou técnico no acompanhamento de problemas relacionados com a Droga, Prostituição, Marginalidade, ou dos Sem-Abrigo, mas isso não implica que não pense estas questões em voz alta no intuito de juntar elementos ao debate que é urgente. Estas pessoas vivem em Lisboa, com maior incidência neste bairro e a cidade não pode deixar de ter uma resposta para elas e para nós que convivemos com elas.

São problemas que tendem a aparecer juntos por alguma razão mas aqui, provavelmente terão alguma razão histórica. Abordarei apenas os Sem-Abrigo, não deixando de referir que para os outros existem experiências internacionais de quem se adiantou já nestes processos e bastaria para isso analisar esses resultados e actuar, perdendo as nossas vergonhas e estilhaçando os comportamentos conservadores que mais não são do que permanentes objectores de consciência à mudança.

Lisboa mudou muito desde a época em que o Sidónio Pais fundou nos campos de Arroios a instituição que provia a sopa à pobreza que grassava nos finais do século XIX em Lisboa. Os pobres que a procuravam eram aqueles portugueses que falharam no seu projecto de vida, porque vindos dos meios rurais também não conseguiram ser urbanos e naquela época já não haviam epopeias marítimas onde embarcar e o ouro do Brasil que nunca tinha servido ao povo, já não servia agora nobreza.

A localização da cantina da Sopa dos Pobres era na altura, na periferia do centro da cidade e na proximidade dos bairros operários da Mouraria e do Socorro. Com o tempo e o melhor desenvolvimento social do país, os campos viraram ruas e avenidas e a Sopa dos Pobres ficou no centro da cidade. O perfil dos seus utentes passou do pobre típico daquela época que tinha sido o objectivo da sua criação para o dos “Sem-Abrigo” que são agora uma outra derivação da pobreza existente, a nova geração de excluidos, não justificando esta, por si, a forma actual de funcionamento desta instituição nestes moldes. A prova disto são alguns programas bem sucedidos de outras instituições de apoio que o fazem diferente, como por exemplo a AMI Centro Porta Amiga, O Banco Alementar, a Associação CAIS, Comunidade Vida e Paz etc. que prestam um apoio com outras valências na medida em que o fazem sem que os auxiliados se desinsiram do seu meio e tenham que vaguear pelas ruas e redondezas da instituição que os auxilia.

Por muito que nos custe tê-los com os seus andrajos a dormir à soleira da porta, onde exercitam práticas que tentamos esconder às crianças, não temos o direito de os empurar dali para nenhum ghetto, porque já basta o ghetto pessoal em que vivem. Mas isto não implica que não se procurem alternativas que substituam uma solução que vem de outra época e que serviu outra realidade social. Achar que este problema está resolvido, mantendo esta estrutura simples de um refeitório e uma sala que abre e fecha a porta para dar umas sopas mantendo nos intervalos uma série de necessitados no engôdo salivar de outra refeição, é ter menos visão do que Sidónio e nada ter aprendido com a evolução das ciências sociais.

Partindo do principio que estas situações não se conseguem resolver com o apoio domiciliário, há que procurar uma fórmula de consenso, que inclua as polivalências necessárias para um bom tratamento do problema. Quando digo polivalência, refiro-me à procura das tais soluções integradas que não passem por ter farrapos humanos vaguendo pela avenida, excretando no passeio entre viaturas e dormindo pelas arcadas dos prédios.

(Continua)